A Porta
Simplesmente porque é tão poderoso que me dá arrepios ... e para responder a um determinado post , acho que este texto faz todo o sentido!
"Bato ou não bato? Subo ou não subo?
Encaro a tua porta com apreensão. Essa porta obscenamente vermelha. Essa porta que tantas vezes me franqueou a entrada e atrás da qual te escondes tu, a tua casa e as tuas coisas.
Bato ou não bato? Subo ou não subo?
Apetece-me tanto subir, de novo, novamente. Repetir os gestos que, de tanto os praticar, se tornaram usuais, maquinais. Ouvir os degraus velhos, carcomidos, a ranger sob o meu peso, dizer ‘bom dia' àquela tua vizinha, velha, cega, surda, perenamente suspensa entre a porta e a soleira do primeiro andar. Ouvir-me entrar em tua casa, ver-me entrar em ti.
Quero ouvir de novo o teu silêncio, sentir o teu calor e o som dos teus lábios húmidos, sôfregos, sentir o teu corpo reptiliano sob o meu, ouvir-te em silêncio enquanto gemes baixinho e me cravas as tuas unhas, pequeninas e certinhas, na pele sacrificada das minhas costas.
Apetece-me ouvir-te de novo dizer ‘beija-me' e obedecer-te, obediente, descruzando-te as pernas, como o fiz vezes sem conta, vezes sem fim, e beijar-te.
Apetece-me. Mas não posso. Não quero. Não és minha, nunca o foste, nem sequer quando entrava e saía de dentro de ti.
Bato ou não bato? Subo ou não subo? "
Alexandre Monteiro
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